Sexta-feira Santa ou simplesmente a
Paixão e Morte de Jesus. Somos levamos a contemplar e vivenciar o mistério da
iniquidade humana na pessoa de Cristo sim, mas – e sobretudo – o mistério do
Seu triunfo definitivo.
O rito da apresentação e adoração da
cruz vem como consequência lógica da proclamação da Paixão de Cristo. A Igreja
ergue, diante dos fiéis, o sinal do triunfo do Senhor, que havia dito: “Quando
vocês levantarem o Filho do Homem, saberão que Eu sou” (Jo 8,28).
Enquanto apresenta a cruz, o celebrante
canta por três vezes: “Eis o lenho da cruz, do qual pendeu a salvação do
mundo”. A assembleia, cada vez, responde: “Vinde, adoremos!”. Durante a
procissão da adoração, entoam-se cânticos apropriados.
Jesus morre no momento em que, no
Templo, se imolam os cordeiros destinados à celebração da Páscoa. A Sua
imolação é “real”, um sacrifício realizado de uma vez por todas, porque a
vítima espiritual tornou inúteis as vítimas materiais.
Outros pormenores completam o quadro:
de Jesus não são quebradas as pernas, em conformidade com as prescrições
rituais (Ex 12,46); do Seu lado transpassado, jorra o sangue, com o qual são
misteriosamente assinalados os que pertencem ao novo povo, aqueles que Deus
salva (cf. Ex 12,7.13). Cristo crucificado é, pois, o “verdadeiro Cordeiro
pascal”: Ele é a “nossa Páscoa” imolada (cf. 1Cor 5,7).
Os profetas, especialmente o Segundo
Isaías (1ª leitura), descrevem o Servo do Senhor no momento em que realiza Sua
missão de libertar o povo dos pecados e torná-lo agradável a Deus, como um
cordeiro inocente, carregado dos delitos do seu povo, e que, em silêncio, se
deixa conduzir ao matadouro. E é de sua morte, aceita livremente, que provém a
justificação “para todos”.
O dramático diálogo com Pilatos
mostra Jesus silencioso, enquanto a autoridade, neste momento a serviço do
pecado do mundo que cega o povo, decide Sua morte e O condena.
Não seria completa a compreensão do
mistério de Jesus se não contemplássemos também – como o Apocalipse de João – o
Cordeiro glorioso, que está diante de Deus com os sinais das Suas chagas,
dominador do mundo e da história (Ap 5,6ss); o Cordeiro que se imolou por amor
da Igreja e para o qual ela tende cheia de amor. Na cruz se iniciaram as
núpcias do Cordeiro, que terão sua realização plena na festa do céu (cf. Ap
19,7-9).
Neste dia, “em que Cristo,
nossa Páscoa foi imolado” (1Cor 5,7), torna-se clara realidade o que
desde há muito havia sido prenunciado em figura e mistério: a ovelha verdadeira
substitui a ovelha figurativa, e mediante um único sacrifício realiza-se
plenamente o que a variedade das antigas vítimas significava.
Com efeito, a obra da redenção dos
homens e perfeita glorificação de Deus, prefigurada pelas Suas obras grandiosas
no povo da Antiga Aliança, realizou-a Cristo Senhor, principalmente pelo
mistério pascal da Sua bem-aventurada Paixão, Ressurreição dentre os mortos e
gloriosa Ascensão, mistério este pelo qual, morrendo, destruiu a nossa morte, e
ressuscitando, restaurou a nossa vida. Foi do lado de Cristo adormecido na cruz
que nasceu o admirável Sacramento de toda a Igreja.
A celebração da “Paixão do Senhor”
focaliza o significado original do sofrimento de Jesus que culmina em Sua morte
na Cruz. Trata-se do amor em plenitude que é assumido na cruz. Mas, é
importante ressaltar que, antes de assumir a cruz de madeira, Jesus assumiu
outras grandes e difíceis cruzes.
Podemos ver neste mesmo dia muitas
outras “cruzes” levadas por Nosso Senhor: uma é a “cruz” da traição de Judas e
outra a da negação de Pedro. Há a “cruz” da condenação por parte de Pilatos e
por parte do povo. E outras “cruzes” são a minha e a sua, meu irmão.
Portanto, celebrar a morte de Jesus
na Cruz nos faz pensar nas muitas “cruzes” que, ainda hoje, colocamos sobre os
Seus ombros através da injustiça, do egoísmo, da falta de ternura, da
impiedade, da violência, dos vícios e assim por diante.
Faz-nos pensar também sobre as muitas
“cruzes” que os filhos colocam sobre os ombros de seus pais; as “cruzes” que os
pais colocam sobre os ombros frágeis de seus filhos; as “cruzes” que os esposos
colocam-se mutuamente sobre os ombros um do outro e sobre seus próprios ombros;
as “cruzes” que todos colocamos sobre os ombros da comunidade, da Igreja, da
sociedade etc.
No entanto, não nos esqueçamos do
mais importante: a Cruz de Cristo nos leva à glória da Ressurreição para a Vida
Eterna.
Padre Bantu Mendonça